domingo, 3 de julho de 2011

O poder da gentileza

          Eminente professor negro, interessado em fundar uma escola num bairro pobre, onde centenas de crianças desamparadas cresciam sem o benefício das letras, foi recebido pelo prefeito da cidade, que lhe disse imperativamente depois de ouvir-lhe o plano:
          - A lei e a bondade nem sempre podem estar juntas. Organize uma casa e autorizaremos a providência.
          - Mas, doutor, não dispomos de recursos... - considerou o benfeitor dos meninos desprotegidos.
          - Que fazer?
          - De qualquer modo, cabe-nos amparar os pequenos analfabetos.
          O prefeito reparou-lhe demoradamente a figura humilde, fez um riso escarninho e acrescentou:
          - O senhor não pode intervir na administração.
          O professor, muito triste, retirou-se e passou a tarde e a noite daquele sábado, pensando, pensando...
          Domingo, muito cedo, saiu a passear, sob as grandes árvores, na direção de antigo mercado.
          Ia comentando na oração silenciosa:
          - Meu Deus, como agir? Não receberemos um pouso para as criancinhas, Senhor?
          Absorvido na meditação, atingiu o mercado e entrou.
          O movimento era enorme.
          Muitas compras. Muita gente.
          Certa senhora, de apresentação distinta, aproximou-se dele e, tornando-o por servidor vulgar, de mãos desocupadas e cabeça vazia, exclamou:
          - Meu velho, venha cá.
          O professor acompanhou-a sem vacilar.
          À frente dum saco enorme, em que amontoavam mais de trinta quilos de verdura, a matrona recomendou:
          - Traga-me esta encomenda.
          Colocou ele o fardo às costas e seguiu-a.
          Caminharam seguramente uns quinhentos metros e penetraram elegante vivenda, onde a senhora voltou a solicitar:
          - Tenho visitas hoje. Poderá ajudar-me no serviço geral?
          - Perfeitamente - respondeu o interpelado - , dê suas ordens.
          Ela indicou pequeno pátio e determinou-lhe a preparação de meio metro de lenha para o fogão.
          Empunhando o machado, o educador, com esforço, rachou algumas toras. Findo o serviço, foi chamado para retificar a chaminé. Consertou-a com sacrifício da própria roupa. Sujo de pó escuro, da cabeça aos pés, recebeu ordem de buscar um peru assado, à distância de dois quilômetros. Pôs-se a caminho, trazendo o grande prato em pouco tempo. Logo após, atirou-se à limpeza de extenso recinto em que se efetuaria lauto almoço.
          Nas primeiras horas da tarde, sete pessoas davam entrada no fidalgo domicílio. Ente elas, relacionava-se o prefeito, que notou a presença do visitante da véspera, apresentado ao seu gabinete por autoridades respeitáveis. Reservadamente, indagou da irmã, que era a dona da casa, quanto ao novo conhecimento, conversando ambos em surdina.
          Ao fim do dia, a matrona distinta e autoritária, com visível desapontamento, veio ao servo improvisado e pediu o preço dos trabalhos.
          - Não pense nisto - respondeu com sinceridade - , tive muito prazer em ser-lhe útil.
          No dia imediato, contudo, a dama da véspera procurou-o, na casa modesta em que se hospedava e, depois de rogar-lhe desculpas, anunciou-lhe a concessão de amplo edifício, destinado à escola que pretendia estabelecer. As crianças usariam o patrimônio à vontade e o prefeito autorizaria a providência com satisfação.
          Deixando transparecer nos olhos úmidos a alegria e o reconhecimento que lhe reinavam na alma, o professor agradeceu e beijou-lhe as mãos, respeitoso.
          A bondade dele vencera os impedimentos legais.
          O exemplo é mais vigoroso que a argumentação.
          A gentileza está revestida, em toda parte, de glorioso poder.


Livro: Alvorada Cristã (Chico Xavier pelo espirito Neio lúcio)

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