quarta-feira, 7 de setembro de 2011

A Moenda

Em certo fim de ano, ao se encerrarem os cursos, fui o primeiro colocado em minha turma. Isso me fez muito vaidoso e passei a ver os meus companheiros pelo prisma de minha "superioridade".
Costumávamos passar as férias na praia, porém, para surpresa minha e de meus irmãos, papai resolveu alterar o programa e aceitar o convite de um amigo, proprietário de um engenho de açúcar. E foi assim que rumamos para uma bela fazenda, em meio a um mar de canaviais. Naturalmente haveria pescarias, cavalos à nossa disposição e outros entretenimentos.
A ideia não me desagradou.
Os primeiros dias foram animados, porém logo me enfadei devido a ausência de companheiros para nossos programas.
Os meninos da fazenda, também em férias, tomavam grande parte de seu tempo trabalhando no engenho.
Uma manhã em que eu vagava indolente e meio enfastiado pelo jardim, meu pai se aproximou de mim e sugeriu:
- Você já visitou a bagaceira? É um lugar muito interessante. Além disso é ali que a maior parte dos meninos da fazenda consegue serviço. E é um trabalho muito curioso. Você gosta de formas de aprendizado, por que não faz uma experiência?
Gostei da ideia. Na bagaceira, naturalmente, depois de verificar o que se fazia, optei por auxiliar o menino Bento, visto que, saltando aos olhos, a sua tarefa era a que parecia mais fácil, não exigindo prática nem coragem.
Bento, muito tímido e quase analfabeto, foi imediatamente julgado pela medida de minha "superioridade".
Eu tinha que encher com bagaço de cana um couro cru, inteiro, que era, então arrastado para a bagaceira por um cavalo guiado por meu companheiro.
Em breve o suor me corria em bicas e o trabalho se atrasava.
Então o homem da moenda começou a reclamar e foi a um canto conversar com Bento. Este se aproximou de mim cabisbaixo e timidamente me disse, gaguejando de atrapalhado:
- Você desculpe, mas o seu Dito acha que é melhor eu continuar sozinho. O serviço é simples, mas você não tem jeito para isso...
"Jeito para isso", pensei aborrecido. E voltei muito desconfortado para a fazenda. Meu pai veio alegremente ao meu encontro e perguntou:
- O que foi que você fez?
- Nada! - respondi.
E estava sendo honesto, pois tinha na consciência que, realmente, não havia feito nada.
- Bem, disse meu pai, não se aborreça. Quem sabe, pensando bem, você terá tirado algum bom partido da experiência.
E saiu passeando pela aléia sem outros comentários.
Mas, de fato, houvera um proveito.
Compreendi bem e guardei a lição, da qual nunca me esqueci ao longo do trajeto da vida.
A partir daquele dia fiquei sabendo que, de fato, há diferenças entre os homens.
Mas, absolutamente, isto não significa superioridade para nenhum.
Em uma ou outra aptidão ou capacidade - desde que se disponha a alcançar o melhor - cada homem pode, sempre, ser superior...

Livro - E, para o resto da vida... (Wallace Leal V.Rodrigues)

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